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2022 - PSIAX #6 — Série II “Escrever sobre, para e com Desenho”
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No presente número da revista PSIAX: Estudos e Reflexões sobre o Desenho, dedicado ao tema “Escrever sobre, para e com Desenho”, procura-se assinalar alguns dos possíveis campos de actuação onde a relação entre desenho e escrita se desenvolve e reinventa. Se a reflexão e o pensamento sobre o desenho, sobre as suas diferentes práticas e expressões, configuram através da escrita um desejo de racionalizar e de compreender a múltipla existência dos seus usos, seja enquanto processos de experimentação e invenção artística ou, ainda, enquanto processos de conhecimento, o desenho, o fazer do desenho, parece acolher em si mesmo, desde os seus primórdios, o ensejo pré-linguístico que é inferido pelo elementar gesto de designar. Nesse mesmo impulso, o desenho ritma, traça, figura e representa, dando a ver o que de outro modo tende a desaparecer enquanto fenómeno e experiência visível. A escrita, na sua complexa estrutura cognitiva e inteligível, que implica a determinação simbólica da sintaxe e da lógica, mas também a multiplicidade das línguas, compõe-se necessariamente com a linearidade dos signos, das letras, que permitem tornar visível as palavras, os nomes, os conceitos. Mas se a escrita supõe o gesto deíctico, a inscrição gráfica, a notação da fala e da oralidade, na qual se inclui a sequência temporal do dizer – e da leitura –, é com a acção de desenhar que irradiam as figuras e se traduz a experiência visual e fenomenológica do real. Este real advém, portanto, enquanto construção necessária, como relação entre matéria, distância, espacialidade, expressão e pensamento; isto é, dizer e configurar, ler e mostrar. Mas, também, instância aleatória, enquanto desordem babélica, desconcerto e caos visual: ou seja, desejo de compreender e expressar. Assim, uma frase, ou um texto, permite desencadear uma distinta formação significante e “tecer” um desenho, uma ilustração ou uma animação espontânea de gestos e traços. Este, por sua vez, pode tornar-se, mediante o seu impacto ou sugestão, o movimento interpretativo de outras palavras, frases e composições. A grafia permite, de facto, visualizar uma relação singular entre a experiência corporal e sensorial de cada ser e o mundo – sentir, tocar, ver, falar, dizer –, e, através dos sinais, das suas designações e nomeações, ou seja, da sua função linear ou radiante – tal como A. Leroi-Gourhan e T. Ingold a distingue – integrar, exprimir e imaginar uma orientação possível do existente.
Na etimologia grega, grafar indica simultaneamente a letra e o modo de inscrição da letra, mas escrever e desenhar compreendem, apesar de tudo, um divergente sentido e intencionalidade. Contudo, ambas as acções, nomear e designar, entretecem a imaginação e a textura do visível, ou seja, a necessidade de orientação e a liberdade de criação de um espaço de pensamento que constitui a trama e a condição relacional de todos e de cada um com o mundo.
A incorporação da experiência visual, porque próxima da materialidade e das superfícies, manifesta-se na expressão gráfica das linhas, dos traços e das manchas, tal como, por outro lado, a produção de distância amplifica a razão de sinais e de grafos enquanto linhas, esquemas e símbolos do pensamento. Muitas vezes, o texto ensaia a reflexão sobre as práticas e as formas do desenho, mas outras vezes, o texto é o próprio desenho. É neste território, no qual se pensa com e para o desenho que surge o poder de escrever e pensar: a potência de ver e de compreender modos inteiramente novos, inesperados e inusitados, que colocam em crise as certezas e as normas do existente.
Do conjunto dos artigos e dos projectos inéditos que aqui se publicam, ressalta a inquietante recomposição e imbricação daquilo que se julga previamente separado ou apenas reconciliável segundo certas regras. As propostas de estudo e as perspectivas teóricas de alguns dos artigos correspondem de algum modo ao carácter experimental e ensaístico dos projectos artísticos apresentados, manifestando assim uma espontânea conexão entre problemas e imagens.
(Trecho retirado do Editorial da PSIAX #6)
Natacha Antão, Sílvia Simões, Vítor Silva
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Natacha Antão Sílvia Simões Vítor Silva
1647-8045