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Entrevista a Marta Lobo | UMinho I&D
27 de novembro de 2025 | 20h00 | RUM
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Esta semana, no UMinho I&D, a viagem faz-se ao século XVIII para conhecer a história por trás de um dos edifícios mais icónicos de Braga.
O ponto de partida é o livro “O Visconde de São Lázaro e o Palácio do Raio”, obra de investigação que valeu à autora o prestigiado Prémio Lusitânia História. Esta é a terceira vez, em apenas cinco anos, que a investigadora vê o seu trabalho reconhecido por esta instituição.
Marta Lobo de Araújo, docente do Instituto de Ciências Sociais da UMinho e investigadora integrada do Lab2PT/IN2PAST, vencedora da 6.ª edição do prémio atribuído pela Academia Portuguesa da História, fala sobre a ascensão e queda de Miguel José Raio e o legado que deixou na cidade.
Em entrevista ao programa UMinho I&D, a historiadora detalha o percurso fascinante de Miguel José Raio, o homem que comprou e reformulou um dos edifícios mais icónicos do barroco bracarense, conferindo-lhe a face e os azulejos que hoje conhecemos.
Uma antítese da caricatura de “brasileiro de torna-viagem”
A literatura do século XIX, pela mão de autores como Eça de Queiroz ou Camilo Castelo Branco, habituou o imaginário português à caricatura do emigrante que regressa rico do Brasil: muitas vezes considerado inculto, rude e um “novo-rico” sem gosto. A investigação de Marta Lobo de Araújo vem provar exatamente o contrário no caso do Visconde de São Lázaro. “Essa ideia de homens que não têm gostos refinados, não são cultos, é uma ideia errada. Miguel José Raio insere-se exatamente no contrário: é um homem sofisticado, politicamente ativo e que trouxe uma nova mentalidade”, afirma a autora.
Nascido perto da Sé de Braga, em 1814, Miguel José Raio emigrou jovem para Belém do Pará. Lá, construiu um império comercial que importava e vendia “de tudo”, desde óculos e colares a mobílias, criando um circuito de distribuição que subia os rios da Amazónia para levar produtos a todo o território. Ao regressar a Braga, em 1853, revelou-se um cidadão do mundo. Maçon, vereador pelo Partido Progressista e membro da comissão de receção dos imperadores do Brasil, Miguel José Raio viajava frequentemente para capitais europeias como Londres e Paris em negócios. Esteve ligado à fundação do Teatro de São Geraldo, à vinda do caminho de ferro para a cidade dos arcebispos e à criação de várias instituições bancárias.
O Palácio como palco e a abertura da Rua do Raio
Ao adquirir o Palácio do Raio, um edifício do século XVIII desenhado por André Soares, Miguel José Raio transformou-o num instrumento de afirmação de poder. A investigação confirma que foi ele o responsável pelo revestimento da fachada com os famosos azulejos azuis que hoje definem o imóvel. Mas a sua intervenção na paisagem urbana foi mais longe: “ele manda abrir a Rua do Raio exatamente para dar visibilidade ao Palácio. O edifício precisava de ser visto de frente”, explica a investigadora.
O interior da casa foi reconstruído por Marta Lobo de Araújo através da descoberta de um inventário no Arquivo Distrital de Braga. O documento revela uma residência recheada com o que havia de mais moderno na Europa: tecidos e carpetes importados, lustres sofisticados e até tecnologia agrícola de ponta para a quinta anexa. O palácio funcionava como um centro de sociabilidade onde as filhas do Visconde, educadas no Colégio Alemão do Porto, tocavam piano para a elite local. Era uma “casa-montra”, onde até o oratório privado servia para cerimónias (casamentos, batizados e exéquias) que dispensavam a ida à igreja, marcando o estatuto superior do proprietário. Apesar da opulência e das condecorações, a investigação revela um final de vida dramático. Na fase final, Miguel José Raio entrou numa espiral financeira. Para manter o estatuto social e o apoio constante às instituições de caridade (como o Asilo de São Lázaro e as confrarias), começou a viver a crédito. “Acho que a dada altura ele perdeu o sentido da realidade. E não querendo descer de estatuto social, aguentou durante algum tempo uma ilusão que já não correspondia à verdade”, conta Marta Lobo de Araújo.
O Visconde morreu solteiro, de forma súbita e sem testamento, deixando o Palácio “cravado de dívidas” ao Banco do Minho, instituição que acabou por tomar posse do imóvel. Uma história que reflete a fragilidade de algumas fortunas da época e que serve de contraponto ao sucesso visível da fachada azulejada.
Próxima paragem: A Procissão de Endoenças
Para além desta obra premiada, Marta Lobo de Araújo revelou à RUM que está prestes a concluir um novo livro focado numa das tradições mais antigas da cidade: a Procissão de Endoenças (ou Ecce Homo).
A investigadora mergulhou nos arquivos da Misericórdia de Braga para estudar cinco séculos de história desta manifestação religiosa, descobrindo “uma outra cidade” através da organização desta festa que continua a ser um ex-líbris da Semana Santa bracarense.
A entrevista ao UMinho I&D realizou-se esta quinta-feira, dia 27 de novembro, na Rádio Universitária do Minho.
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