Na sequência dos anteriores dois volumes, este livro indaga as geografias compósitas que se organizam em torno do fenómeno musical, do som e do silêncio, distendendo as fronteiras do fenómeno espacial para além das barreiras disciplinares de qualquer ciência. Tal não significa o fim da disciplina científica como método de cognição e modo de organização de sensibilidades manuseando a infinitude da substância em gestos plurais. A pluralidade em geral é condicionada necessariamente pelo espaço e o tempo, e apenas é pensável no seio destes conceitos que designamos, sob este ponto de vista, de princípio de individuação. A construção de um rigoroso conhecimento sobre o mundo é tangencial ao sistemático aprofundamento da matéria. Esse aprofundamento incontido da disciplina em que somos, entrega-nos à porta de outra e de outra disciplina, de onde ser com o Outro. Nesse lugar de sucessão e causalidade, cada som é um indício incontido do próprio mundo e o silêncio a possibilidade de existência simultânea. A realidade que daí se retira é atestada pela forma que lhe é inerente em cada sistema de pensamento, pela permanência ou substancialidade que lhe atribuímos. A qualidade (ou acidente) do mundo deriva daquela mesma forma, a qual torna possível a verdade relativa das coisas. Daí retiramos a inteligibilidade da matéria num princípio de razão suficiente em que o som surge subentendido como vontade do mundo, simultaneamente sujeito e objecto da experiência, em que o espaço é o princípio determinado pela relação à extensão, a posição, e em que o tempo, é o fundamento do ser sob o ponto de vista da duração, a sucessão. A relatividade essencial do mundo como representação, relatividade inerente à sua forma e da qual esta deriva, organiza-se em formas de conhecimento e abstracção que remetem para a natureza imaginada das coisas. Comunicamos através de imagens, e os conceitos funcionam como representações de representações transformando representações intuitivas imediatas, pela razão e reflexão, em representações abstractas, como um mapa mundi.

Excerto da “Apresentação”,  Ana Francisca Azevedo, pp-3-4

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